Tradição domingal  

Posted by: Liz Silveira

Ouço um barulho. É o típico barulho da minha casa; barulho de domingo. Abro os olhos, esfrego-os com as mãos. Meu pescoço dói: novamente dormi de mau jeito. Estigo os braços, deslizo os pés sobre o lençol fininho que cobre o colchão, sempre faço isso, é sempre tão friozinho... Pego o celular, alguma chamada perdida e já passam das 10h. O barulho da casa continua, tento captar a cena do cotidiano só com o diálogo dos personagens: meu pai está saindo rapidinho para resolver qualquer coisa de última hora; meu irmão fala alto chamando a atenção de meus pais para alguma coisa interessantíssima que ele acabou de ver ou descobrir; minha mãe está mandando ver na cozinha e pede para o meu pai não demorar na rua, pois o almoço promete; meu pai liga o carro e sai; ele volta, pois esquece alguma coisa; meu irmão decide ir com ele; minha mãe, reinando na casa aparentemente vazia, pois a empregada está de folga, cantarola alguma música bem antiga com direito a notas altíssimas e gestos teatrais; silêncio; conto até cinco e ouço suas passadas nada singelas; a maçaneta do quarto se abre e ela diz:
- Filhaa... vem ficar aqui comigo, estou sozinha!
Digo que já vou em instantes, pois ainda estou em processo de acordar (preciso sempre de minutos em silêncio para isso); ela faz cara de triste mas relutantemente diz "tá bem...". Gostaria de ficar mais na cama, mas sinto remorso por deixar minha mãe se sentir "rejeitada" e rapidamente me levanto. Vou ao banheiro, faço meu ritual de banho, escovo os dentes, dou uma checada na pele, reclamo daquela espinha na testa, coloco uma roupinha velha e confortável e corro para a cozinha onde verdadeiras alquimias gastronomicas acontecem nos finais de semana.
Minha mãe me pergunta como foi a saída da noite anterior, conta que minha avó ligou e mandou beijos e reclama da bagunça que a empregada deixou nos armários, isso tudo enquanto me mostra o que está preparando e corta pedaços de banana para dar aos micos. Ela é assim, linda e irritantemente hiperativa. Levanto os paninhos que cobrem os refratários em descanso em cima da bancada da pia, reclamo da ausência de temperos e pergunto se posso incrementar as receitas. Ela dá o aval, mas pede que eu não exagere no orégano, pimenta ou ovos. Eu digo que sim, mas exagero nisso e mais um pouco sem que ela perceba, no final fica sempre bom mesmo...
Ligamos o som e ouvimos música sertaneja brega; ela me dá alguma diga prática sobre casa e cozinha e eu comento sobre algum "babado fortíssimo" enquanto belisco alguma coisa; lembro-me do livro que estou procurando e nunca acho, ela diz que também vai procurar nas livrarias; terminamos o almoço; meu pai chega dizendo que reecontrou fulano e fulana não sei aonde; alguma coisa na televisão nos chama atenção, assistimos; minha mãe põe a mesa avisa:
- Tá na mesa! Venham logo se não vai esfriar!!!
Vamos lentamente, tentando adiar o momento mais esperado do dia e que insiste em se aproximar. Sentamos à mesa cada um em seu lugar e então eu penso: é o almoço de domingo!

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1 comentários

Hahahahahaha...
Deliciosamente descritivo...
Não estou em casa (trabalho aos domingos quinzenais - aff!!), mas parece que estou de espectador das cenas...
Um cotidiano prosaico de muitas familias que conheço... inclusive a MINHA!!
Bjos, irmã linda!!
Amo-te!!

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